sábado, dezembro 04, 2004

Viagem de comboio

A paisagem passa, eu recuso-me a mexer daqui. Vejo os prédios que se atropelam para me alcançarem o campo de visão, enquanto as vidas que neles germinam prosseguem indiferentes, sem darem por mim. No fundo, também eu não as vejo, adivinho-as, sinto-as sem saber se elas sentem a minha. O respirar da natureza alivia a corrida desenfreada dos edifícios e das ruas, para se mostrar e contrastar com as suas múltiplas vidas, elas sim tão conscientes das nossas.
Magoa o abismo que se encontra entre duas vidas distintas, no fundo tão semelhantes, no fundo tão simples. E de repente vejo os meus olhos inundados pelo rio que corre por baixo de mim, e abruptamente divide dois pedaços de terra, pejados de vida. Vidas diferentes, tão únicas à sua maneira e tão iguais umas às outras, afinal não se resumem elas ao mesmo? Não buscam todas elas a mesma coisa? Porquê privar algumas de caminhos que tantas outras sabem e que são atalhos para dar a busca por terminada? Não vimos todos do mesmo? Não voltaremos todos ao mesmo? Aqui e agora temos já o nosso destino traçado, que invariavelmente temos de aceitar, pois que não há outra solução. Quem o não faz sente o amargo do fel, enquanto este ensopa cada olhar, cada suspiro, cada sopro de ar que de nós sai e que em nós entra. Sem que se possa fazer algo, tinge a vida de um negrume baço, pois não é por não se aceitar o destino que nos está reservado, que vamos compreender no fundo a nossa natureza. Então, fecho os olhos e resigno-me à minha condição, não vale a pena indagar mais...não vou alcançar nada, nem nada de bom me trará. É engraçado como a ignorância pode, de facto, por vezes ser uma garantia de felicidade...Raios partam a consciência da nossa existência.
E então refugio-me no conforto das minhas crenças, no que nos transcende em que cada vez mais acredito, sem poder prová-lo concretamente...mas, ao menos acalma a tempestade violenta que assola a minha razão quando se trata de pensar no ser. Penso em como se calhar, o sentido para a vida que tantos procuram em sítios tão mais complexos, se encontra nas pequenas coisas, nos sorrisos, nos olhares, nas carícias que se trocam, nas lágrimas e nas mais pequeninas coisas que povoam o nosso ser, mas que por serem tão simples (mas também tão bonitas) passam tão despercebidas. Se calhar o sentido está simplesmente em ser, aproveitar a vida como ela se nos apresenta, percorrer os caminhos que ela nos permite sempre com a esperança como combustível para o sorriso constante. Olhar em volta e abraçar os outros e todas as coisas que nos lembram constantemente de quão preciosa é esta nossa vida, e que nos lembram da magnitude desta dádiva que nos foi concedida. Assumir e mostrar com orgulho os sorrisos, as lágrimas, tudo o que nos inflama este ser, e que o enriquece tornando-o tão mais bonito. Aproveitemos então...porque se não o fizermos, que sentido terá a vida?
Abrações grandões

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